segunda-feira, 25 de maio de 2015

Parabéns Avó

Há daqueles amores inexplicáveis.
Há os que sabemos como começaram, onde, em que altura da vida, e, muitas vezes, como se extinguiram.
Depois há os outros, os que já existiam quando nascemos, que nos acompanharam o crescimento, que andaram connosco lado a lado nos tempos de escola, e que caminham connosco ainda hoje, sem haver uma oscilação na sua intensidade. E, a existir, é sempre em crescendo.

Eu tenho um destes amores com a minha avó.
A minha avó quase centenária, só faltam 3 anos.
A minha avó que é uma rocha, apesar do sofrimento todo que já a atropelou, amassou, fintou, e que por ela passou.
Não ficou. Mas moeu.

A minha avó é a minha primeira referência de infância. É aquela senhora baixinha, mas que era tão alta quando eu era criança! Chegava aos armários todos, andava mais depressa que eu e a minha irmã quando nos levava pela mão, às compras, ao Mercado de Benfica. Vamos à praça! Dizia ela.
E nós íamos, atrás dela. Íamos comprar maçãs daquelas pequeninas, a que puxávamos o lustro na fruteira para ficarem brilhantes.
Depois íamos à banca do peixe buscar guelras de carapau para a gata que por aqueles anos passava lá temporadas em casa. Era a Kikas. Era do meu tio, mas a minha avó era avó dela também. A Kikas só a respeitava a ela. Já era um indicativo de que a minha avó era uma senhora muita importante. Aos meus olhos, da minha irmã, e de todos.
A minha avó regateava sempre nas compras. Não faz um descontinho? Às vezes lá tiravam 5 ou 10 escudos à conta, só porque ela já era cliente habitual. Ia à praça todos os dias.
Tinha um saco de asas azul, assim aos quadradinhos. E comprou dois em miniatura, um também azul, e o outro vermelho, um para cada uma das netas. E nós íamos com os saquinhos às compras, com ela.

A minha avó fazia o pequeno almoço ao meu avô todos os dias. Café com leite, e sopas de pão lá dentro. Depois ele ia trabalhar e eu e a minha irmã ficávamos em casa com ela. Limpávamos a casa toda, que a minha avó não queria netas preguiçosas! À tarde brincávamos na praceta em frente à casa dela, e de vez em quando íamos para casa das amiguinhas lá da rua. Mas a minha avó não gostava. Sempre enfiadas na casa das pessoas! Querem brincar? É na rua!
Ela é que sabia. Hoje o que eu não daria para a ouvir dizer isto outra vez. Ela sabia bem que brincar era na rua. A esfolar os joelhos, a sujar a roupa toda, e muitas vezes a gastar meias solas de sapatos numa semana só. Ela sabia bem.

Nas férias, a minha avó fazia café com leite frio para levarmos para a praia. Dentro dum termo alaranjado.
E fazia arroz de bacalhau, num tacho que embrulhava em folhas de jornal, dentro do cesto de levar para a praia. E que bem que sabia à hora do almoço. É um sabor que terei sempre na memória. Dos olfactos, e na memória dos sabores.

A minha avó era muito poupadinha. Nunca nos comprava coisas caras, e dizia muitas vezes No poupar é que está o Ganho! E ela tinha razão. Afinal ela tinha estado emigrada 14 anos num país da América do Sul e foi assim que ela e o meu avô conseguiram uma boa vida em Portugal. Compraram a casinha onde ela ainda hoje vive.

A minha avó é possivelmente a pessoa mais forte que conheço.
Depois de enterrar o marido, um filho, e uma neta, continua de pé, sempre com um sorriso nos lábios, sempre com uma palavra bonita.
Não há pessoas assim, pois não?
Pessoas com quase 100 anos de vida, que não se queixam. Não dão um ai, como se diz na gíria.
Nunca se queixa. Está sempre tudo bem.
Não quero dar trabalho, diz ela.

Mas como é que podes dar trabalho avó?
Fizeste de mim muito do que sou hoje.
Ensinaste-me o que é "vestir-me de paciência" como sempre te ouvi dizer.
Foste a minha primeira lição de Amor. Incondicional.
Exemplo de Mulher, Mãe, Avó.

É por isto. E por muito mais.
Por tanto que não consigo pôr em palavras. E por tanto, que tenho sempre uma lágrima teimosa ao canto do olho quando ela faz anos. Como ontem.
Mais um passo próximo dos 100.
Mais um com coragem, todos os dias com coragem.
Como aquela que eu vou tentar ter, um dia, quando ela me faltar.

Parabéns Avó.





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